sábado, 20 de setembro de 2008

Eita, bolo bom, sô!

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Depois de bater perna nas feiras livres e mercados públicos, Zélia Mendes, 69, chega em casa, vai para cozinha e liga duas televisões ao mesmo tempo - a da sala e a do quarto. Enquanto prepara o almoço, fica de ouvidos ligados nos programas matinais que passam receitas às donas-de-casa. Papel e caneta à vista, anota algumas delas quando interessantes. E assim, nesse esquema quase frenético de quem não se permite ficar sem experimentos ao paladar, Zélia vai enchendo seu caderninhos de delícias. Uma mania de cozinha que pode ser explicada quando a carioca revela o estado que escolheu para morar: Minas Gerais.

Para a nossa sorte, recifenses, um dos três filhos de Zélia, Tony, achou que deveria migrar para esta cidade calorenta do Nordeste. Professor de inglês, tinha o desejo de mudar de atividade e por aqui trabalhar com bar. Mas seria pique demais para um rapaz que gosta mesmo é de comer e desfrutar de boas conversas. Com o incentivo da mãe quituteira, trouxe até nós um pedacinho do que Minas tem de melhor: suas feiras e mercados. Na pequena lojinha, nas Graças, ele expõe como tesouros garrafas de pimentas multicoloridas, cortes de carnes defumadas, queijos redondos empilhados, cachaças aromáticas, lingüiças especiais, doces caseiros em compotas e, é claro, as delícias da cozinha de Zélia.

Uma delas, criada numa daquelas manhãs em que fica atenta à televisão, virou frisson na Quitanda de Minas. O bolo de capim santo, quando foi colhido num programa de TV qualquer, era embebido de recheio cremoso e outros gueres-gueres que enchem os olhos das vitrines de docerias. “Achei demais e pensei que poderia ser modificado para acompanhar um bom café da tarde”. Zélia estava certa. Como faz com todas as receitas, modificou o bolo. Simples, sem tanto requinte, seu bolo de capim santo arranca elogios pelas bocas que passa.

A brincadeira de abastecer o balcão de Tony tem sido uma das mais instigantes diversões de Zélia. A cada dois meses, ela enche a mala de “coisas de Minas”, todas comestíveis. Paga excesso de bagagem sem dor na consciência. Fica no Recife no mínimo 30 dias para conferir se seus quitutes estão sendo preparados corretamente. “No começo, ficava no Recife meio triste, sentindo falta do Mercado Central e da Feira dos Produtores, em Belo Horizonte. Mas depois que descobri a feira de Casa Amarela, já fico muito mais feliz”, conta a simpática senhora. Para quem já foi à Quitanta de Minas, sabe-se que é impossível não dar uma passadinha por lá de vez em quando e sentir o gostinhos inconfundíveis das paglias italianas, das empadas ou dos pães de queijo da “mãe de Tony”. Aos sábados, vale sentar no tamborete de caixote e degustar o creme de mandioca com torresmos.

RECEITA
Bolo de Capim Santo
(Por Zélia Mendes, da Quitanda de Minas)


Ingredientes:

- 6 ovos inteiros
- 1 e 1/2 xícara de açúcar
- 1/2 xícara de chá de capim santo (15 folhas para uma xícara de água. Depois do chá frio bater com as folhas no liquidificador e coar)
- 2 colhers de óleo de canola
- 1 colher de sobremesa de raspa de limão
- 2 xícaras de farinha de trigo
- 1 colher de sopa de fermento em pó


Modo de preparo:
Na batedeira, bata bem os ovos com o açúcar, até dobrar de volume. Desligue a batedeira e junte o chá forte, o óleo, a raspa do limão e vá mexendo com o fue (aquele batedor de claras, formado por arames). Junte à mistura uma xícara de farinha de trigo, o fermento e finalmente a outra xícara de farinha. Despeje a massa em forma untada e enfarinhada só no fundo. Leve ao forno pré-aquecido (150°C) por cerca de 30 minutos.


Para cobertura:
- 1 xícara de açúcar refinado e peneirado
- 3 colheres de sopa do chá de capim santo
- 1 colher de sopa de suco de limão
Misture bem os ingredientes, despejando sobre o bolo assim que sair do forno


SERVIÇO // Quitanda de Minas Av. Rui Barbosa, 317, loja D, Graças (entrada pela Rua da Amizade). De segunda a sexta, das 7h30 às 19h. Sábados, das 9h às 17h.
Informações e encomendas: 3423-3466.

Receita de vida

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Hilda Gil vivia na cidade grande. Poluição, violência, desamor, doenças, inveja, correria, desafetos. Um mundo que se acabava à sua frente. Queria contribuir para mudar, nem que fosse um pouquinho só, a história do seu planeta. Já tinha ouvido falar que, na Serra da Mantiqueira (no estado de São Paulo), algumas pessoas evitavam a autodestruição e contribuíam para uma consciência coletiva de fortalecimento da raça humana utilizando uma parte fundamental do corpo: a boca.

Largou o Recife em 1994, subiu os 1.100 metros de altitude da reserva florestal da Cantareira e lá, na Comunidade Escola Musso, conheceu as duas pessoas que transformariam sua vida. O casal de imigrantes japoneses Tomio e Bernadete Kikuchi, fundador do Instituto Princípio Unificador, ensinou a Hilda, entre outros alunos, que era possível aplicar no cotidiano o critério prático a todos os processos da vida: nascer e morrer naturalmente.

Em meio aos ensinamentos, Hilda despontou para um de seus maiores prazeres: a cozinha. Com Dona Bernadete, descobriu sua responsabilidade, enquanto mulher, para a sobrevivência e evolução do ser humano. Dois anos depois, sentindo-se preparada, percebeu que precisava voltar à cidade e alimentar as pessoas com novas idéias, sabores e auto-estima. Desde então, prepara em sua própria casa, com muita alegria, alimentos para pessoas interessadas em mudanças internas. A refeição integral, já conhecida em outros tempos como macrobiótica, tem como base a dieta vegetariana. Para quebrar todos os preconceitos que envolvem a "macrô" (vista como refeição sem gosto, sem sal e sem cor), Hilda vai para a cozinha diariamente com um tempero sedutor: ternura. E é com sentimento que faz a cabeça (e a barriga) de muitos recifenses que antes destruíam o seu próprio mundo pela boca.

Esta semana, ela e Albanita Almeida (do restaurante Céu e Terra, também aprendiz do professor Kikuchi) recebem o mestre no Recife. Tomio Kikuch inicia o seminário Tecnologia Infernal, que segueaté o próximo dia 16. Para introduzir os iniciantes na difusão da auto-educação vitalícia, Hilda Gil nos passa sua receita de Risoto integralizante. Um quitute especial, com cor, sabor e vida.

RECEITA

Risoto integralizante
(Por Hilda Gil, discípula de Tomio Kikuchi e Bernadete Kikuchi )

Ingredientes:

- 6 copos de arroz integral
- 8 copos de água
- 1 colher de sobremesa rasa de sal marinho
- 200 g de cenoura
- 200 g de vagem
- 200 g de milho verde
- Shoyo, limão e azeite a gosto

Modo de preparo:

Lavar o arroz na peneira e escorrer. Colocar na panela de pressão com a água e cozinhar em fogo médio. Quando a panela começar a chiar, baixar o fogo e deixar na panela por mais 40 minutos. Desligar e aguardar mais dez minutos para retirar a pressão da panela. Os ingredientes do recheio precisam ser cozidos separadamente. A cenoura deve ser lavada com uma escovinha, sem tirar a casca, e cortada em cubos pequenos e depois refogada com um pouco de óleo de milho, até ficar macia. Cortar a vagem em rodelas finas e repetir o processo. Para o milho, Hilda aconselha usar espigas verdes, evitando o milho em conserva. Por último, você pode misturar o arroz aos legumes e temperar com o molho, feito com shoyo, azeite e limão. Hilda faz seu risoto sem vinagre, mas caso você prefira usá-lo no lugar do limão, que seja o vinagre de maçã.

De mãe pra filho

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Toda vez que percebia que estava grávida, Dona Lalá escolhia entre dez a quinze pintos de seu quintal. Pegava os bichos, separava-os dos demais e "pluft", castrava um a um. Assim, adultos, não seriam mais galos e sim capões. Sem o poder de reproduzir, os pintinhos eram alimentados com grãos selecionados por nove meses seguidos. Ficavam gordinhos, prontos para o destino final: a panela. "Ah, minha filha, no meu tempo era assim. Mulher em resguardo tinha que comer capão para ganhar sustança", conta a senhora de 76 anos, mãe de sete rebentos e detentora da receita familiar que alimentou muita mulher parida (que acabou de dar à luz, na linguagem popular) de Buíque, no Agreste de Pernambuco.

Grande, de peito e coxas gordas, quando refogado o capão libera um caldo incomum ao cozimento de uma galinha qualquer. Misturado à farinha de mandioca, vira um dos maiores patrimônios da culinária pernambucana. "O pirão deve ser comido todos os dias após a mulherter menino, no almoço e no jantar. Até o décimo quinto dia, pelo menos. Não tem quem fique fraca assim!", diz Dona Lalá, com toda convicção de sua sabedoria popular.

Quando vai à cozinha preparar um capão lá no Sítio São Benedito, zona rural de Buíque, ela tempera a ave apenas com pimenta-do-reino, cominho, alho e cebola. Colorau ela não usa, senão ofende a parida, assim como sua mãe lhe ensinou. Mas um de seus filhos, Fernando Torres, sócio do restaurante Couvert, de vez em quando "rouba" um capão do quintal de Dona Lalá e o entrega ao chef Liberato Pereira. Para amigos (sem incluir mulheres paridas), Liberato acrescenta à receita de Dona Lalá o colorau fresco, sementes de coentro verde e pimentão. Deixa o "pinto que nunca foi galo" marinando por dois dias antes de levá-lo à panela.

O resultado? Um sabor inesquecível, com direito a pirão e fava branca. "Mas não é bom mulher em resguardo comer fava. Ofende", alerta Inaura Torres, a Dona Lalá. Para incrementar a refeição, Fernando colhe do sítio da mãe jerimumcaboclo, que é servido cozido em água ou mesmo dentro do caldo da fava. Se pintar uma indigestão, a sábia e simpática senhora dá outra receita. "Chá de gengibre serve para limpar as impurezas".

RECEITA
Capão
(Pelo chef Liberato Pereira, do Couvert)

Ingredientes
- 1 capão
- 1 cabeça de cebola roxa
- 1 pimentão verde
- 3 dentes de alho
- 1/2 molho de semente de coentro verde
- 10g de pimenta do reino em grãos
- 10g de cominho moído na hora
- 15g de colorau fresco
- sal a gosto

Modo de preparo
Temperar o capão com sal, pimenta-do-reino, cominho, cebola picada, alho prensado, pimentão picado e colorau. Deixar marinar por umas 12 horas. Colocar em fogo baixo para refogar por dez minutos, acrescentando água a gosto e suficiente para fazer o pirão. Depois que o capão estiver cozido, tirar o caldo para o pirão, deixando-o apurar por mais dez minutos em fogo baixo.Como servirServir o capão regado com semente de coentro verde e pimenta do reino, acompanhado por salada de folhas verdes, arroz branco, pirão, macaxeira cozida, jerimum caboclo cozido e fava branca sem caldo.

SERVIÇO
Couvert // Shopping Paço Alfândega; Rua Estado de Israel, 203, Ilha do Leite; e Shopping Plaza Casa Forte. O cardápio mistura receitas franco-italianas. Funciona para almoço e jantar. Informações: 3231-3678.