segunda-feira, 5 de maio de 2008

Bumbum melhor que da Garota Melancia


Vêm chegando as primeiras nuvens pesadas ao céu do Nordeste. Tempo de chuva. Festa no Interior. Para a molecada, bom mesmo é caçar tanajuras. Antes dos primeiros pingos desaguarem do alto, uma revoada daquelas formigas bundudas invadem os ares. Crianças munidas de urupembas e latas de leite correm afoitas para a rua. É hora colher, guardar e logo depois “papar” as bichinhas. Na caçada, um cântico gostoso toma conta dos ouvidos: “Cai, cai tanajura. Cai, cai tanajura, sua bunda está cheia de gordura!”. Como um mantra poderoso, as formigas vão perdendo as asas e são atraídas para as peneiras. Uma, duas, cem! As latas ficam cheias e é hora de levar a boa colheita para casa.

As mães separam as fêmeas e delas retiram o resto das asinhas, das patinhas e as cabeças com ferrão. Ficam só abdômen e bumbuns. O óleo esquenta na frigideira com sal e as formigas são fritas. “A tanajura tem uma bunda engraçada, frita, frita com farofa, frita, frita bem fritada!”, cantam os meninos e meninas, com pratos nas mãos, à espera do quitute em volta do fogão. Na boca, um “crec-crec” crocante. O gosto? De formiga frita, oras! Não, queridos leitores que jamais comeram essa iguaria rara... esta história não representa as necessidades da dita “fome nordestina”. Mas sim um dos costumes mais saborosos na lembrança de qualquer pessoa que, na infância, teve a oportunidade de caçar e comer farofa de tanajura.

No meu caso, garota carioca cosmopolita, quando chegava de férias na praia do Janga, na casa do vô Feitosa, e a chuva estava por vir, eram dias bem felizes. Não há palavras para descrever textura, sabor e prazer daquela brincadeira. E a recordação veio esta semana, quando a caminho de Caruaru me deparei com crianças na estrada com sacos cheios de tanajura. Ofereci R$ 5 pelo saco cheio. “Oxe, vendo nada!”, me respondeu a menina, segurando bem seu tesouro. Mostrei uma nota de R$ 10. Tempo perdido. Ela sabia bem o valor de um saco de tanajuras e, com certeza, vale bem mais que dez míseros reais.

A receita abaixo é de farofa de içá ou saúva (como as tanajuras são chamadas na Bahia e no Rio de Janeiro, respectivamente). Onde você poderá conseguir as suas formigas, realmente não posso dizer. Quando o tempo fechar, o céu ficar cinza, vá à caça. Peguei o modo de preparo no livro Diário do Olivier – 10 anos de viagem em busca da culinária brasileira (Melhoramentos, 160 págs), de Olivier Anquier. Ele aprendeu com Dona Tita, de Silveiras, na região baiana do Vale do Paraíba. “Cai, cai tanajura...”

RECEITA

Farofa de Tanajura
(Por Dona Tita de Silveiras)

Ingredientes

- Formigas do tipo tanajura
- Óleo
- Sal a gosto
- Farinha de mandioca

Modo de preparo

Retire as asas, as pernas e a cabeça com o ferrão das formigas. Deixe somente com o abdômen e a “bundinha” (que é a parte mais gostosa!). Em uma panela, aqueça o óleo e coloque bastante sal. Quando estiver bem quente, coloque as tanajuras. Elas ão pipocar e inchar. Deixe esfriar até a casca ficar dura e crocante. Esse é o ponto e a hora de adicionar farinha de mandioca aos poucos. Religue o fogo em chama baixinha e vá mexendo bem, até virar uma farofa dourada. Sirva pura ou com o que quiser.