sexta-feira, 28 de março de 2008

Tabule: estímulo para todos os apetites


...
foto: Juliana Leitão

Na escola, tive um amigo de família libanesa. Nos trabalhos em grupo, sempre escolhia a casa de Rodrigo para cumprir as obrigações estudantis. Não que ele fosse um CDF em quem nos escorávamos para tirar boas notas. Pelo contrário: era um malandro. Enquanto eu e as meninas fazíamos a tarefa, ele jogava videogame. Mas contar com Rodrigo no grupo, pelo menos para mim, tinha uma inquestionável vantagem: o lanche que a mãe dele preparava. Esfirras, quibes, falafel e outros quitutes memoráveis. Foi lá, naquele apartamento da Praça do Lido, em Copacabana, que tive minhas primeiras experiências com a cozinha oriental. Foi também onde percebi ingenuamente um fato estranho: eu e minhas amigas nos derretíamos por aquele malandrinho. A conquista era simples: ele pedia para entrar no grupo, dizia que a mãe cozinharia a tarde inteira e nós, bobinhas (protótipos de mulher), aceitávamos sorridentes.

Lembro que entre quibes e pães sírios, Dona Marta nos servia tabule. Na época, com uns 12 anos, não fazia nem idéia do poder daquela saladinha mágica. A mãe de Rodrigo apenas dizia que "quanto mais tabule se come, mas há espaço para comer as outras coisas". Estimulante do apetite, o tabule é diferente dos antepastos ou entradas ocidentais. Permanece na mesa para ser degustado aos bocados, enrolado em alface, entre um prato e outro. Comigo funcionava assim, pois não tinha vontade de parar de me deliciar com aqueles acepipes de Dona Marta. Ela, por sua vez, devia ficar feliz da vida, como todo árabe que se preze, por ver suas convidadas satisfeitas, felizes de "bucho cheio".

O que Dona Marta e nem Rodrigo confessavam era a outra sensação proporcionada em quem come tabule. Talvez o grande truque do rapaz, compartilhado com a mãe, para ganhar nossos corações. A tal mistura à base trigo, tomate, pepino, cebola e hortelã bem picadinhos e molhados com azeite e limão, também mexe com a libido, como deixa bem claro o o historiador palestino Salah Jamal, no livro Aroma árabe - receitas e relatos (Senac-SP). "No mundo árabe, o verbo tabal (temperar ou apurar) e o nome tabule possuem vários sentidos e se prestam a muitos jogos de palavras, eróticos certamente", nos conta Jamal. Segundo ele, esse conceito se popularizou por meio de uma série de canções saborosas, frugais e muito conhecidas, as quais louvavam e insinuavam a sensação de prazer produzida pela degustação do citado prato. "Na verdade, parece que há entre os libaneses uma concordância tática de que aqueles que não fazem nem comem tabule são irremediavelmente insípidos", conclui o escritor.

No Recife, descobri um paraíso para quem gosta de comidas árabes. A libanesa Dona Sônia prepara além do tabule, quibes, esfirras, homus, kafta, mijandra, tahine e várias outras maravilhas. Mas é tudo congelado. Você leva para casa, esquenta e se diverte com os amigos. Uma farra aprovadíssima!

RECEITA

Tabule
(Por Sônia Giries Gibrail, da Cozinha Árabe)
Ingredientes
-2 copos de trigo para quibe
-1 caixa de tomates cereja
-1 molho de cebolinha
-1 milho de salsa
-1 milho de hortelã
-1 cebola grande
-2 rabanetes
-2 pepinos japoneses
-1 pé de alface lisa
-1 pé de alface crespa
-3 pimentas de cheiro
-2 limões
-sal e azeite a gosto

Modo de preparo
Primeiro, lave o trigo e deixe escorrer numa peneira. Reserve. Corte as verduras bem picadinhas (exceto a alface lisa e a hortelã, que devem ser desfolhadas e reservadas). Misture o trigo escorrido com as verduras picadinhas e a hortelã desfolhada. Coloque na geladeira. Na hora de servir, tempere com suco de limão, sal e azeite. Monte o picadinho por cima da alface lisa. Para comer, coloque uma porção de tabule numa alface lisa, enrole e leve à boca.

SERVIÇO
Cozinha Árabe: Av. Antônio de Góis, 292, Pina. // F: 3326-3987

sábado, 22 de março de 2008

Japonês não é tudo igual


...
foto: Alexandre Gondim

Em visita ao bairro da Liberdade, São Paulo, entrei numa casa de refeições bem pequena, com poucas mesas, administrada por um casal de imigrantes e suas duas filhas. Estava só, condição que não me preocupa. Tenho sempre um livro na bolsa que me faz boa companhia. Além do mais, curto esse negócio de freqüentar bares e restaurantes sozinha. Cultuo um hábito feio (mas que tento não deixar transparecer) de ficar com os ouvidos ligados nas conversas alheias das mesas ao lado. Simplesmente, adoro.

Pois bem. Enquanto comia uma porção de sushis de salmão saborosíssima, entraram duas dondocas no restaurante. Pediram sakê e duas missoshiros. Ficaram questionando se era melhor irem para um tal casamento de vestido preto ou lilás. Passou a garçonete, uma das filhas do casal-japa e a senhora mais velha falou com ar de superioridade: “Fofinha, pedi duas missoshiros a você. Será que essas sopas ainda saem hoje?”. A mocinha, muito calmamente, respondeu: “A senhora pediu à minha irmã. Mas vou providenciar”. E a dondoca saiu com outra: “É que vocês são todos iguais, fofinha!”. E a japinha, como heroína dessa história, retrucou: “Sabe que eu tenho a mesma impressão sobre vocês, ocidentais?”

Essa passagem foi há uns quatro anos e ficou registrada na minha memória. Por esses dias, ressurgiu na lembrança quando resolvi sair do meu doce lar para arriscar a sorte em um rodízio de sushis, no bairro da Torre. Foi lá que tive mais uma vez a certeza: japonês não é tudo igual. A febre que caiu sobre o Recife está enchendo o bolso de comerciantes com os populares rodízios de sushis. Tem sushi em churrascarias, lanchonetes e até em refeitórios empresariais. Banalizaram os bolinhos de arroz, vinagre, açúcar e sal, patrimônio da culinária nipônica. Cobertos a maior parte das vezes por pescados crus, deveriam ser preparados e servidos com higiene redobrada. Mas não. Ficam lá, expostos em bandejas, manipulados por qualquer um.

Espertos, os “sushimen” atolam açúcar no preparo como estratégia para fazer o comensal enjoar logo e não aproveitar os R$ 22,90 pagos por pessoa. Prometi a mim mesma que não vou mais encarar essas aventuras e, como já aconteceu uma vez, ter uma dor de barriga daquelas. Aconselho, como uma admiradora de sushis, os restaurantes que oferecem rodízios preparados na hora. Mesmo assim, cuidado para não se iludir com cortes finíssimos de postas cheias de nervos - como a grande maioria empurra aos clientes. A arte de comer sushis exige classe. Na dúvida, reflita da mesma forma de quando se vai comprar um vinho: quanto mais barato, pior. No mais, nesta cidade ainda há restaurantes japoneses sérios, como a Taberna Quina do Futuro, o Sushi Yoshi, o Kojima e o Soho. Este último nos cedeu gentilmente uma receita quente, típica japonesa. Na falta de dinheiro, é melhor comer em casa do que se decepcionar na rua.

RECEITA

Tempurá Ebi
(do Restaurante Soho)

Ingredientes
Para a massa:
- 10 camarões grandes
- 150 g de farinha de trigo
- 35 g de maizena
- 1 ovo
- 300 ml de água
- 1 litro de óleo

Para o molho:
- 150 ml de molho shoyu
- 50 ml de sakê
- 1 colher de sopa de gengibre (sumo)
- 1 porção de nabo (sumo)

Modo de preparo:
Para preparar a massa, coloque num recipiente a farinha de trigo, a maizena, o ovo e água. Bata até a a mistura ficar homogênea. Passe os camarões tratados e sem casca na massa e leve ao óleo quente para fritar. Ao invés de camarões, você também pode usar peixes e legumes como couve-flor, cenoura, cebola etc. Para fazer o molho, misture o shoyu, o sakê, o sumo do gengibre e do nabo e a água aquecida. Molhe os empanados no molho e bom apetite!

SERVIÇO
Restaurante Soho - Av. Conselheiro Aguiar, 1275, Boa Viagem. F: 3325-2666
Sushi Yoshi - Rua Padre Luiz Marques Teixeira, 155, Boa Viagem. F: 3426-2748
Taberna Quina do Futuro - Rua Xavier Marques, 134, Aflitos. F: 3241-9589.
Kojima - Rua Ondina, Pina. F: 3328-3585

segunda-feira, 17 de março de 2008

Bacalhau: a vergonha de Dona Adelaide

...
foto: Ricardo Fernandes

Lá pela década de 1930, Dona Adelaide, gente da high socity recifense, sofreu uma baixa em sua conta bancária. Com a corda no pescoço e tendo que sustentar três filhos esfomeados, acostumados com iguarias importadas, precisou trocar o salmão e o filé mignon por bacalhau. O peixe salgado, vendido na época nas bancadas de feiras populares, era a vergonha da família. Antes de ir à panela, todas as janelas da casa eram severamente fechadas para que os vizinhos não sentissem o forte cheiro de bacalhau cozido. Seria o fim da pompa daquela senhora aristocrata caso alguém percebesse sua "pobreza passageira".

Veio o fim da segunda guerra, em 1945. Mais uma vez, como de costume nos altos e baixos da renda familiar, Dona Adelaide precisou recorrer ao bacalhau. Mas aí já era tarde. Com a escassez de alimentos na Europa, o preço do "peixe salgado" disparou e, a partir daí, virou item apenas de mesas abastadas e prato sazonal, nas ceias pascoais e natalinas. O que a nossa personagem não esperava encarar foi o fato de seus mimados filhos terem ficado viciados nquele sabor irresistível.

Dona Adelaide, sem dinheiro no bolso, teve que fazer mais uma substituição drástica na rotina alimentar: passou do requintado norueguês gadus mohrua (também chamado de bacalhau do porto) para o então (e até hoje) popular saithe. Para quem não sabe, bacalhau não é uma espécie de peixe, mas o resultado do processo de salga do pescado. Os outros três tipos mais utilizados como bacalhau são o ling, zarbo e o gadus macrocephalus.

Apesar de não ter cacife para consumir as postas largas, o povo continua a não dispensar o prato, principalmente em datas festivas. Vem daí o famoso batatalhau, como o que é feito na casa de minha vó Nilda, no subúrbio carioca. Toda vez que eu e meu pai podemos visitá-la, o bacalhau é servido como forma de carinho, sobreposto por cebolas cozidas, couve e batata, muita batata. Ao contrário de Dona Adelaide, vó Nilda jamais sentiu vergonha da iguaria e, na verdade, lembra com orgulho do tempo em que bacalhau era "comida de pobre".

Da mesma forma acontece com a chef Nilza Damascena, do Club do Vin, em Boa Viagem, que recorda histórias de sua vó Lizete, hoje com 72 anos. Criou os oito filhos com caldo de bacalhau e farinha de mandioca. O pirão feito com os dois ingredientes, que no tempo da escravidão era conhecido nas senzalas como mingau de pipinga, é uma dos símbolos da mistura do colonizador com o colonizado nas panelas brasileiras. No restaurante em que trabalha, Nilza vai preparar nesta Semana Santa o bacalhau com polenta. Talvez queira mostrar aos ricos como pobre também sabe comer bem.

Para a nossa dica de domingo, fomos buscar uma cozinheira com propriedade no assunto. Maria Martins, da Rose Beltrão Recepções, aprendeu 385 receitas com a mãe, a portuguesa Berta de Souza, que deixou tudo registrado no livro Só bacalhau, editado na década de 70. De presente à coluna, ela entrega o truque do Bacalhau espiritual. Para o preparo, é melhor usar o "do Porto" (claro!), mas se não der, siga lição de Dona Adelaide: sem dinheiro, a criatividade é o tempero!

RECEITA
Bacalhau espiritual
(por Maria Martins, da Rose Beltrão Recepções)

Ingredientes:

- 1 kg de lombo de bacalhau demolhado sem pele e sem espinha
- 1/2 litro de azeite extra virgem
- 1 cebola grande
- 1 saco de pão de caixa cortado na horizontal
- 1 litro de leite
- Sal a gosto
- Pimenta-do-reino a gosto
- Suco de limão a gosto
- 1 litro de molho bechamel

Modo de preparo:

Cozinhe o bacalhau em fogo baixo sem levantar fervura. Pique a cebola bem fininha e coloque numa panela com um copo de azeite. Deixe refogar até a cebola ficar transparente. Em seguida, abra o bacalhau em lascas, coloque junto com a cebola refogada, deixe ferver por uns 10 minutos mexendo sempre com a colher até ficar uma massa macia. Se estiver seco, deve-se colocar mais azeite, temperar com sal, pimenta e o suco de limão. Reserve. À parte, pegue o pão de caixa, molhe em leite morno tendo o cuidado para não desmanchar.
Forre o pirex com o pão, depois coloque em cima a metade da massa do bacalhau que estava reservada. Deve-se comprimir bem o pão, depois colocar outra camada do pão molhado no leite e espalhar a massa do bacalhau restante, procedendo da mesma maneira da primeira. A última camada deve ser de pão, sempre lembrando de comprimir bem. Por fim, cubra com o molho bechamel, que não deve ser muito grosso. Deixar descansar de três a quatro horas antes de ir ao forno, que não deve estar muito quente por 30 a 40 minutos até tomar uma cor. Deve-se servir bem quente.

SERVIÇO
Rose Beltrão Recepções: 3268.2901
Club du Vin: 3326-5719

quinta-feira, 6 de março de 2008

O doce sabor do limão

...
foto: Inês Campelo

Há coisas nessa vida que não se explicam e uma delas é Mãe Ná. Avó do meu marido (e, portanto, minha avó também), ela já vai na casa dos 104 anos. Lúcida, falante e com um corpo que sustenta bravamente tanta sabedoria, Mãe Ná tem um ritual curioso nas refeições: em tudo ela coloca limão. O sumo da frutinha vai na sopa, seja ela de legumes, carne ou feijão. Por cima da galinha guisada, do inhame e, obviamente, do peixe. No chazinho das cinco, limão. Na água gelada, limão. Às vezes penso que ela é capaz de colocar limão até no café ou num pedaço de pizza.

Pergunto por que o uso excessivo e ela reponde sem muitas milongas: “porque eu gosto, ué!”. Penso que talvez seja esse o segredo da longevidade. Mas aí lembro que além de amar limão, ela não engole pedaços de carne. Muito jeitosamente, pega um guardanapo e cospe o bagaço. “O que vale é o caldo!”, ratifica, adicionando que tem órgãos frágeis para tamanho trabalho de digestão.

Mãe Ná não se importa tanto com teorias. Leva a vida no instinto. Não enxerga. Portanto, o rádio é uma das mais fiés companhias, que não passa receitas, mas lhe dá notícias do seu time do coração: o Santa Cruz. Realidade azeda, mas que passa bem pela goela de quem saboreia limão diariamente. Sobre os benefícios da fruta à saúde, apenas sabe que lhe faz bem e que é rica em vitamina C. Acredito que nunca tenha comido ostras cruas, mas certamente não dispensaria degustá-las com seu sabor preferido. O limão, na culinária, tem tantas utilidades que valeriam mais 104 anos de vida de Mãe Ná para gastar todas as opções.

É clássico na vodca e na cachaça. Deixa as carnes mais brancas e firmes. A casca é perfeita para doces. O sumo é indispensável para realçar o gosto de frutos do mar. Além disso, fora da cozinha, serve para o tratamento da acne, para amolecer cutículas antes de fazer as unhas, elimina a caspa, amacia as mãos, tira o mau hálito, limpa objetos de prata, elimina manchas de ferrugem e, pelo lado ruim, causa queimaduras horríveis na pele quando exposta ao sol. Mãe Ná vai gostar de saber de tudo isso (se é que ela não já sabe!).

Já até imagino Zélia, a filha dela, lendo esta coluna que fala do doce sabor do limão. Sim, doce. Porque para o paladar de Mãe Ná não é possível que seja azedo. Ela gosta de histórias e por isso pesquisei a origem da fruta que faz parte de sua vida. É originária da Ásia e disseminou-se pela Europa através dos árabes. Em 1742, os limões foram utilizados pela marinha britânica para combater o escorbuto. No Brasil, ficou popular durante a chamada gripe espanhola, em 1918. O consumo foi tão grande que o preço foi lá pra cima e talvez Mãe Ná lembre dessa parte.

Para ela, fui buscar uma receita à base de limão. Escolhi o Chez Wièt Patisserie, uma loja de doces luxuosos que foi inaugurada em dezembro passado em Boa Viagem. Mãe Ná, juro que vou tentar fazer esta torta só para a senhora. Sua benção!

RECEITA

Torta de limão (Por Wilton Gama, da Chez Wièt Patisserie)

Ingredientes

Para o Biscuit de amêndoas:
- 100 g de açúcar-
-37 g de farinha de trigo
- 62 g de farinha de amêndoas
- 125 g de claras

Para o Pão de ló:

- 8 ovos- 250 g de açúcar
- 250 g de farinha de trigo

Para o ganache de limão:

- 300 g de chocolate sabor limão
- 200 g de creme de leite fresco

Modo de preparo

Para o biscuit de amêndoas, bata as claras com açúcar em neve firme. Reserve. Misture a farinha de trigo, a farinha de amêndoas e o açúcar. Depois misture com as claras e despeje numa folha de papel manteiga, estendida na forma da torta. Deixe assar por 20 minutos e mtemperatura de 180°. Para fazer o pão de ló, bata os ovos com açúcar até montar e depois misture a farinha com a mão. O guanache de limão deve ser feito da seguinte forma: aqueça o creme de leite e acrescente o chocolate. Para montar a torta, coloque como base o biscuit, depois recheie com o ganache, o pão de ló, outra camada de ganache e faça o acabamento com geléia de brilho.

SERVIÇO

Chez Wièt
Av. Domingos Ferreira, 1274, Boa Viagem (Shopping da Decoração). F: 3326-4985

sábado, 1 de março de 2008

Para um churrasco heterodoxo

...
foto: Beto Figueirôa

Era domingão de sol. O quintal do meu vizinho recebia no gramado uma imensa piscina de plástico. As 24 garrafas da grade de cerveja mofavam no congelador e a mesa redonda, ao lado da churrasqueira, comportava variedades de carnes. Lingüiças alemãs, picanha, bistecas de porco no limão, asinhas de galinha temperadas no alho e cebolas enroladas em papel alumínio. Estava tudo pronto para ir à brasa. Para acompanhar, farofa de jerimum. Gosto desses dias espontâneos, de farras sem pré-marcação, em que os amigos vão aparecendo e trazendo contribuições deliciosas. Também acredito que são nesses momentos onde se come melhor. Cada um que queira aparecer mais com suas criações gastronômicas. Se bem que, num churrasco, não há muito o que fazer. Basta alguém no posto de churrasqueiro para a carne sair no ponto certo e, esse alguém, naturalmente, era o anfitrião.

Pois bem, meu vizinho é um cara que ama ir a mercados. Herdou o costume do pai. Conhece todos os boxes, comerciantes e sabe exatamente o dia e a hora para ir buscar o melhor produto. Para a nossa tarde de domingo, ele encomendou uma picanha de carne-de-sol. Deixou o corte por duas horas no leite e avisou: “minha gente, essa carne vai ser o pipoco!”. Ficamos aguardando, ansiosos. Bebericamos ali, brincamos com a criançada aqui, até que chegou o aviso: “vai sair a carne-de-sol!”. Fomos à mesa e, bem na hora em que a picanha começava a ser fatiada, chega o irmão do anfitrião.

Digamos queTavinho, o irmão, é o mais velho da família. Leva o nome do pai e já carrega a fama de ser melhor adepto de mercados do que o próprio genitor. Tem a mesma ou maior paixão por mercados, feiras e cozinha. Na mão, trazia uma cioba inteira, já sem as espinhas centrais. A bichinha estava fresquinha, fresquinha, com os olhos brilhando. Havia acabado de comprar na bancada de Seu Isa, no mercado da Encruzilhada. Foi aí que a picada perdeu a graça, assim como a lingüiça, as asinhas de galinha e a bisteca de porco. Pela primeira vez, vi o peixe ganhar todas as atenções durante um churrasco. Não, o irmão do meu vizinho não é católico a ponto de deixar de comer carne na quaresma. Mas é desses caras que amam surpreender. Não só surpreendeu, como deixou o mano um tanto enciumado.Comemos a picanha de carne-de-sol, que realmente estava deliciosa, mas ficamos todos, umas dez pessoas, aguardando a saída da brasa do peixão imponente.

Para completar esse churrasco que contrariou padrões, a mulher de Tavinho, Fabiana, abriu vagarosamente uma garrafa de rosé gelada. Eis um casal de paladar aguçado, diria. O marido prepara o peixe e a mulher escolhe o vinho para harmonizar com a criação do amado. Enquanto todos inchavam o bucho com cerveja tomada em copo americano, os dois sorriam e desgustavam felizes o Alta Vista Malbec Rosé em taças lustrosas. Segundo Fabiana, uma jornalista curiosa sobre vinhos e que, coincidentemente esta semana lançou um blog para trocar idéias sobre a bebida milenar (escrivinhos.blogspot.com), esse rosé “é fantástico na relação custo benefício... é um vinho para se tomar no dia-a-dia, principalmente nos mais quentes, pois é leve, embora tenha boa persistência. Um toque de frutas vermelhas dá o charme”, descreve ela, já anunciando um jantar em sua casa. O menu? O “Ragú do Tatá”. Imperdível.

RECEITA

Peixe heterodoxo
(Por Tavinho Pereira da Costa)

-1 cioba inteira sem a espinha central
-Duas cebolas pequenas raladas
-3 dentes de alho amassados
-Sumo de dois limões
-Sal a gosto
-Pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo

Na peixaria, peça para tirarem a espinha central da cioba fresca. Em casa, lave o peixe já tratado e estenda-o aberto sobre um tabuleiro grande, com o couro virado para baixo. Passe o sumo de limão por toda extensão da carne. Depois tempere com o alho, pimenta do reino e sal a gosto. Por cima, passe a cebola ralada e coloque a cioba, ainda com o couro virado para baixo, na brasa. Deixe assar por cerca de meia hora. Quando o couro estiver bem tostado, vire com bastante cuidado. Ideal é utilizar daquelas grelhas duplas, para não haver perigo do peixe cair. A essa altura, a cebola ralada já estará bem grudada ao peixe e não derramará. Deixe assar por mais mais meia hora, aproximadamente. Depois sirva.