sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Manga inchada com sal


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foto: Juliana Leitão
Tem um sabor que nesta época do ano é apreciado por muitos moleques do litoral. Alguns viram ladrões, mesmo sem nunca terem praticado um furto sequer, só para encher um saco plástico com mangas. Uma fruta com gosto de infância, que faz lambuzar e encher de fiapos os dentes. Serve madura e serve inchada, como por aqui o povo chama a manga verde. Mesmo sem estar no tempo certo para cair do pé, os meninos escalam a mangueira até a copa para colher uma “inchadinha”. Depois, com uma faca, fatiam a manga, salpicam uma pitada de sal e vupt!, deliciam-se. Vi essa cena no último final de semana, quando dei uma esticada até Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho.

Até lá, a PE-28 fica colorida com tabuleiros lotados de manga. Tem rosa e espada, graúdas e miúdas. Ao lado delas, no verão, também se vê castanha de caju torrada, sapoti, azeitona e dendê. Parei o carro na beira da pista e, enquanto dividia fatias de manga com sal com a pirralhada, emendei numa conversa boa com Dona Dora, uma senhora de 70 anos que vende frutas de acordo com a estação. Embaixo de um pé de jaca, ela me contou um pouco de sua vida e disse que há tempos atrás chegava a encher, a cada duas horas, um balde com mangas. “Agora não é mais assim. Porque as mangueiras estão morrendo”, disse. Parei assustada com a notícia e quis ouvir um pouco mais. “A culpa é do besouro”, definiu. Segundo ela, o tal inseto (que Dona Dora não soube dizer a espécie), pica a mangueira e pronto. A árvore murcha e pára de dar frutos. Olhei ao redor e constatei que a história era verdadeira. As mangueiras daquela região estão mesmo sem vida. Me senti, naquele momento, chupando as últimas mangas do lugar.

Me despedi de Dona Dora com um toque longíquo na boca, “sabor acre da infância a canivete repartida no largo semicírculo da amizade”, como descreveria meu sentimento o poeta luso- africano Rui Knopfli (1932-1997). Ele também, num dia de criança, comeu manga com sal. Em sua terra, Moçambique, esse fruto carnudo, de polpa amarela, chegou pelas mesmas caravelas portuguesas que ancoraram no Brasil, por volta do século 17. Nativa da Ásia, mais precisamente da Índia, as mangueiras estão hoje em vários países da faixa tropical e equatorial do globo, divididas em mais de cem tipos.


Dona Dora, em sua sabedoria popular, diz que por não serem daqui, não há cura para as mangueiras doentes. “Se o pé de dendê ficar doente, é fácil curar, porque é brasileiro”, soltou mais uma certeza a senhora que, sem perder tempo, me deu um toque: “É bom comer logo bem muita manga, porque elas vão acabar”. Pensei, então, que essa história tinha que ser contada e resolvi, na coluna de hoje, homenagear Dona Dora e sua fruta preferida. A receita abaixo, não é de manga com sal, pois seria o cúmulo da simplicidade. Nem tampouco de salada com manga, afinal a combinação perfeita com folhas verdes já é clássica. Fui à Índia, ou melhor, ao restaurante vegetariano Gonvinda e pedi à cozinheira Hare-Krishna, Prema Pumartha, o preparo de um dos molhos mais aclamados da cozinha indiana. O chutney de manga cai bem com carnes de porco e frango, mas a dica de Prema, claro, é harmonizá-lo com pães, torradas, legumes ou cererais. Mais uma prova do poder na manga inchada com sal.

RECEITA

Chutney de manga
Por Prema Pumartha, do Govinda


Ingredientes
2 mangas verdes médias
1 pimenta dedo-de-moça picada
1 xícara de chá de gengibre ralado
2 colheres de sopa de hortelã picada
1/2 colher de chá de cominho em pó
1/2 colher de chá de canela em pó
1 colher de sopa de açúcar mascavo
1 sopa colher de sopa de ghi ou manteiga
1 pitada de sal

Modo de preparo
Descasque as mangas, tire o caroço e fatia. Coloque o ghi (ou manteiga) na panela, deixe o gengibre dourar e acrescente os outros temperos e ingredientes. Misture tudo delicadamente e tampe a panela. Deixe em fogo baixo por dez minutos. Deixe esfriar e coloque na geladeira. Depois, pode servir.
Serviço
Restaurante Vegetariano Govinda
Rua Bernardo Guimarães, 114, Boa Vista. Fone: 81. 3221-4202