segunda-feira, 9 de junho de 2008

Sentimentos, arroz e bolinhos

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foto: Aline Feitosa

Arroz, diria minha mãe, só presta feito no dia. Esse negócio de requentar o branquinho, não tem o mesmo valor na boca. Ainda mais para quem abomina essa cultura sem gosto do arroz lavado. Arroz branco que é arroz branco, pelo menos para as sábias cozinheiras que rodeiam minha vida, é o refogado. Parbolizado, nem pensar. Bom é o grudadinho. Alho frito, cebola dourada que se misturam aos grãos para dar sabor. Depois, água fervente na panela e pronto, deixa secar. A medida da porção, principalmente para esses tempos de inflação, deve ser exata. Afinal, desperdício não pode haver. Mas, caso ocorra, não requente o arroz no dia seguinte. Faça que nem Tia Vera: transforme o velho em novo e frite bolinhos!

Apresento-lhes Tia Vera: uma figura maravilhosa que surgiu em minha vida em 1991. Chegou lá em casa para trabalhar nos serviços domésticos e terminou responsável pela educação (e controle) de uma adolescente "virada no mói de quentro". Confesso: aprontei demais entre os 15 e 19 anos e Tia Vera segurou direitinho parte daquela onda. Com sabedoria, carinho e uma comida que fazia com que todos os meus amigos fossem atraídos, Tia Vera tinha um truque infalível para reunir à tarde toda aquela "adolescentada" em torno da mesa: bolinhos de arroz com suco de caju. Hoje, percebo que era uma tática supimpa para que ela, ao nosso lado, tentasse entender aquele mundo jovem e desvairado.

Além de reciclar arroz, Tia Vera também não deixava escapar restinhos de carne. Tudo virava croquete. O desfiado da carcaça de frango rendia bem em meio ao suflê de chuchu. Pão velho se transformava em farinha de rosca, rabanadas (ou fatias douradas), pudim e finas torradas na manteiga. Banana passada, doce em calda. E assim caminhava Tia Vera, em sua cozinha mágica e seu jetinho materno, que fez meu juízo crescer um bocado.

Essa semana, arrumando armários, encontrei uma preciosidade. O caderninho onde Tia Vera anotava suas invenções culinárias estava escondido no fundo de um caixote. Tirei de lá como se tesouro fosse e, na quinta página, achei a receita dos bolinhos de arroz. Seu sonho, ela sempre dizia, era pegar meus filhos no braço e prepara-lhes papa de aveia para ficarem fortinhos. Não deu tempo. Num dia de sol de 96 ela partiu e a casa encheu-se com cheiro de jasmim. Depois sonhei com ela fritando bolinhos de arroz, coando suco de caju e fazendo a alegria dos adolescentes do céu.

RECEITA

Bolinhos de arroz
(Por Tia Vera, de seu caderninho de transformações)
Ingredientes
-1 prato fundo de resto de arroz cozido
-1/2 copo de leite
-1 ovo batido
-1 colher de sopa de manteiga
-1 colher de sopa de cheiro verde picado
-2 colheres de sopa de queijo ralado
-Farinha de trigo
-Sal a gosto

Modo de preparo
Coloque o arroz num recipiente fundo. Despeje o leite devagar, misture e amasse um pouco o arroz até ficar uma massa. Acrescente o ovo, a manteiga, o cheiro verde e o queijo ralado. Ajuste o sal. Adicione farinha de trigo até o ponto de poder moldar os bolinhos com a mão. Frite em óleo bem quente. Seque em papel toalha e sirva com suco de caju.