sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Panquecas para comer rezando

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foto: Alcione Ferreira


Acredito que para os cristãos que seguem os conselhos religiosos para o período de Quaresma, o carnaval seja não só de orgias, mas principalmente de gula. Após o Domingo de Ramos, quem saiu do jejum, apreciando apenas pão, água e chá, vai à mesa com com aquela fome de dizer “sou capaz de comer um boi inteiro”. Esse apetite todo também deve ter afetado os judeus depois da peregrinação de 40 dias atravessando o deserto. Ou de Elias e Moisés ao descerem do alto da montanha. Provavelmente, sentiram uma fome devastadora e devoraram frangos inteiros sem culpa. Até porque, apesar de condenar a gula e legislar contra ela, a Igreja Católica jamais a penalizou com o mesmo rigor dos outros pecados capitais. Mesmo na Idade Média, jejum e abstinência eram obrigatórios nas ocasiões indicadas no calendário litúrgico. Mas, sabe-se bem que nos domingos e nas datas festivas liberava-se o bom apetite.


Não é à toa, por exemplo, a máxima popular “comer como monge”. Nos refeitórios conventuais ou monásticos, eram comuns mesas fartas, com quitutes que fizeram as casas religiosas importantes no aprimoramento da culinária da Europa medieval e renascentista.

Mas, voltando à Quaresma, em seu primeiro dia (a Terça-feira Gorda) é comum em muitos países europeus comer panquecas. Isso porque, em tempos passados, durante os 40 dias de abstinência, cristão não podiam comer ovos, gordura ou leite. Virou costume então pegar toda a manteiga e ovos da casa e fazer panquecas. Muitas panquecas, até encher a barriga e ter a impressão de que a fome não voltará. Em certas regiões do Reino Unido, no último dia de carnaval (do latim, “adeus à carne”) há a tradição estranha de donas de casa disputarem corridas com panquecas saltando na frigideira.

Por aqui, mal se conhece essa história e panqueca é item em mesas familiares. Vêm enfileiradas na travessa, cobertas de molho de tomate e podem acompanhar até o trivial arroz com feijão.No Recife então, panquecas assim só na casa da avó. Foi-se o tempo em que na madrugada, depois de uma farra, o prato era a melhor pedida . O crepe tomou conta da cidade e até a pioneira Cleide Salgado, com seu Saladas & Panquecas, aberto em 1984 em Boa Viagem, desistiu de prepará-las. Trocou o negócio para um self-service na Rua da Guia, Bairro do Recife.

Para comer a iguaria na rua, nos restam o pequeno Cozinha do Einstein, na Ilha do Leite, ou a lanchonete Laça Clube, em Boa Viagem (quem souber outro, me avise!). Mas aquela massa mais grossinha e gordurosa, nada light como o irmão crepe, só a de Cleide. Pedi a ela para nos soltar sua receita e, para matar a saudade, preparou um recheio de carne moída. A Quaresma começou só há cinco dias e ainda temos tempo de comer sem culpa. Dá até para comer rezando!

RECEITA

Panqueca
por Cleide Salgado
(porção para uma pessoa)

Ingredientes para massa

1 xícara de farinha de trigo
2 ovos
1 pitada de sal
4 colheres de açúcar fino
1/2 xícara de leite
1/4 xícara de água

Modo de preparo

Bata os ingredientes com um batedor de ovos até desmanchar e ficar um creme. Passe tudo na peneira para tirar gomo de massa. Pincele com manteiga uma frigideira tefal e, com ela já esquentada, coloque a massa espalhada até a borda da frigideira. É importante que a massa fique fininha. Ainda na frigideira, acrescente o recheio de sua preferência. Feche a massa com cuidado e sirva.

SERVIÇO

Saladas & Panquecas (almoço self-service) - Rua da Guia, 93, Bairro do Recife. F: 3224-2259
Cozinha do Einstein - Rua Frei Matias tevis, 280, loja 20, Ilha do leite. F: 3421-4278
Laça Club - Rua Visconde de Jequitinhonha, 138-A, Boa Viagem. F: 3343-1042

Sabor em nome da sorte


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foto: Inês Campelo


Quando se vai começar qualquer projeto na vida, o maior desejo é sorte. Hoje, inicio neste espaço charmoso do Caderno de Domingo uma aventura irresistível. Novo ciclo à beira do fogão de alquimistas de aromas e sabores. A cada coluna, 1 pitada de tudo. Sem catar cebola, coentro e colocá-los na beira do prato. Nesta caçarola vai entrar a rabada do boteco da esquina, a feijoada de Dona Vicentina, o foie gras do chef estrelado Michelin. Porque comida boa não depende de ingredientes refinados, mas sim de carinho e vontade de fazer suspirar qualquer ser pela criação. E, acredite: somos todos criadores de boas porções de sabor. Se não criadores, sempre bons comedores. Sendo assim, o primeiro “boa sorte” é para que não engordemos tanto.

O segundo é para que esta nova coluna nos deleite de histórias que girem em torno da mesa; do ser humano e seu amado prato de comida. E, já que andamos precisando de muita sorte (por tantos motivos!), que tal nhoque? A próxima terça-feira será 29, dia em que virou tradição em várias partes do mundo ter a massa à mesa, com molho ou sem. Lembro também que 2008 é ano bissexto, ou seja, teremos após três anos de recesso mais um 29 de fevereiro! Por esse e outros fatores, não poderia de deixar de publicar aqui a receita do nhoque de Francesco Carreta, italiano-brasileiro da olindense trattoria Don Francesco. Em todo 29 o restaurante dele fica com as mesas lotadas. Os clientes fazem questão de colocar uma nota de dinheiro embaixo do prato e comer as sete primeiras bolinhas de nhoque em pé, para que não falte dinheiro até o próximo dia 29. Curioso que Carreta, nascido na região do Veneto, veio aprender aqui no Recife esse costume sem origem legitimada. Em sua terra, nhoque simboliza reunião de família ou, no máximo, homenagem a São Genaro, padroeiro de Nápoles.

Na verdade, a história do surgimento do nhoque gira em torno de diversas lendas. A mais escutada é a de um andarilho que, faminto, bateu na porta de uma humilde casa em busca de comida. Um prato de nhoque lhe matou a fome e dias depois o andrilho ganhou enorme fortuna. De preparo simples, supõe-se que o nhoque exista desde a Idade Média, elaborado com várias farinhas, sobretudo de trigo, arroz e miolo de pão, tudo misturado com água. Após a introdução do milho na Itália, em meados do século 16, surgiu o nhoque de polenta. Mas foi a batata que reinou absoluta do século 17 em diante e mudou a história do prato - mesmo que depois chefs tenham criado variações com ingredientes diversos, como semolina, batata-doce e até macaxeira. Francesco Carreta também criou sua receita original: o gnocchi al gorgonzola, recheado com o queijo e que, ao invés do molho de tomate, deve ser saboreado apenas com manteiga de sálvia. De babar!

RECEITA

Gnocchi di patate (nhoque de batata) (para 4 pessoas)

Ingredientes:
1 kg de batatas
300 g de farinha de trigo
sal gosto

Modo de preparar:

Cozinhar as batatas com a casca. Depois de cozidas, descascá-las e passá-las no espremedor de batatas ainda quando estiverem quentes. Obter um purê e misturar com a farinha, pouco a pouco, até formar uma massa macia e mole. Uma dica: se colocar muita farinha os nhoques ficarão duros e se colocar muita batata eles ficam muito moles e se desfazem ao cozinhar. Quando a massa estiver pronta, fazer longos cilindros com espessura de um dedo. Cortar os nhoques com mais ou menos 3 centímetros. Passe as bolinhas na farinha de trigo. Cozinhá-los em áqua quente e salgada e, assim que subirem à superfície da água, retirá-los imediatamente com uma peneirinha. Colocá-los em uma terrina e cobrí-los com molho de tomate, molho à bolonhesa ou manteiga de sálvia. Acrescente queijo parmesão ralado.

Gnocchi al gorgonzola (noque de batata recheado com gorgonzola)

Fazer o mesmo procedimento do nhoque de batatas. Quando a massa estiver pronta, fazer longos cilindros na espessura de um dedo. Corte os noques com mais ou menos 4 centímetros. Abra cada pedaço com a plma da mão e coloque dentro um pedacinho de queijo gorgonzola. Feche enrolando, como se fosse um brigadeiro. Passe na farinha e cozinhe da mesma forma da primeira receita.

SERVIÇO
Restaurante Don Francesco // Rua Prudente de Moraes, 358, Carmo, Olinda. F: 3429-3852