quinta-feira, 3 de abril de 2008

Alegria de presidiário começa pelo estômago

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foto: Aline Feitosa


Vi no You tube o trailer do filme Estômago, primeiro longa do diretor Marcos Jorge. De cara, fiquei curiosíssima pelo enredo que conta a história do preso gourmet Raimundo Nonato, interpretado por João Miguel (Céu de Suely e Cinema e Aspirinas e Urubus). Pelo que vi na sinopse, fala de um imigrante nordestino em São Paulo que pára numa casa de detenção e lá divulga e aperfeiçoa com os companheiros de cela seus dotes culinários. Não vou pedir para um conhecido pirateador baixar o filme. Prefiro esperar para ver na telona. Deve chegar ao Recife ainda este mês, segundo a distribuidora Down Town.
Só o pequeno trecho (também no http://www.estomagoofilme.com.br/) me trouxe recordações de um tempo amargo, mas inesquecível. Tive um amigo na faculdade que foi preso. Nem digo o pecador, nem o pecado. Não tenho vergonha alguma de revelar que já convivi sim com alguém que fez merda, pagou por isso e se quietou. Mas o fato é que éramos próximos, o bastante para eu ir visitá-lo no "Aníbal baixo astral". Digamos que eu e uma amiga em comum enfrentamos a fila feminina com algum quitute no tapauer umas doze vezes em mais ou menos um ano em que ele esteve enjaulado.

Supondo o quanto a comida de lá deveria ser ruim, sempre levava delícias que alegrassem um pouco aquela situação. Lembro que das primeiras vezes fiz tortas salgadas e doces. Mas logo desisti. O quitute recheado era todo furado na inspeção de entrada do presídio. Acabava com o apelo visual do prato (que modéstia à parte era muito caprichado). Depois de várias destruições às minhas iguarias, lembrei de uma receita que os policiais não furariam e assim chegaria intacta aos olhos e boca do meu amigo. As batatinhas calabresa, que já viraram atração recorrente nas festinhas que faço em casa, eram perfeitas para o dia de visita. Feitas com aquelas batatas miúdas para vinagrete, são cozinhadas com casca e depois temperadas e assadas com especiarias, pimenta calabresa e azeite. Não fazia sentido os inspetores furarem uma a uma.

Primeiramente pensando na prática e no visual do prato, não imaginava que as batatinhas fariam tanto sucesso. O número de apreciadores, entre detentos e funcionários, se multiplicava. A cada visita era necessária uma porção maior. Mas já deveria saber que o resultado seria esse. Afinal, esse petisco, que cai tanto com cerveja, vinho ou como guarnição, faz parte da minha vida desde que sou criança. Uma amiga de minha mãe que mora no Rio (hoje minha amiga também), preparava as tais batatinhas como acompanhamento de seus memoráveis almoços. Tia Suzete é daquelas cozinheiras cariocas que amam ir a feiras e criar preparos com legumes fresquinhos. Há algum tempo não nos vemos e ela nem imagina o quanto o sabor das batatinhas calabresa é presente na minha relação com a cozinha. Nem tampouco supõe que levou tempero quente a domingos frios e sem gosto de 1996.
RECEITA
Batatinhas Calabresa da Tia Suzete

Ingredientes
- 1 kg de batatinhas para vinagrete
- 1 pitada de salsa desidratada
- 1 pitada de alecrim fresco
- 1 pitada de ervas finas desidratada
- 1 pitada de mangerição desidratado
- 1 pitada de pimenta calabresa
- 1 piatada de estragão
- 3 colheres de sopa de azeite extra virgem
- Sal a gosto

Modo de preparo
Lave bem as batatas. Cozinhe com casca e tudo. Quando estiverem al dente (atenção para não amolecer demais), retire da panela e escorra. Espalhe num refratário de vidro sem que uma batata fique por cima da outra. Unte tudo com uma colher de azeite. Coloque sal e misture. Após estar temperado com azeite e sal, polvilhe por cima as pitadas das ervas. Melhor não exagerar na pimenta calabresa, ela serve para dar um leve teor picante ao prato. Acrescente mais azeite, misture bem e leve ao forno pré-aquecido. Deixe assar por cerca de meia-hora. Quando as batatinhas estiverem douradinhas, caramelizadas e com a casca engilhada, pode servir. Cuidado para não queimar a língua!