sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Nossa identidade, o feijão

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foto: Beto Figueirôa/ Aurora Fotografia


Lembro que, quando criança, minha mãe precisou entrar numa tal “fila do feijão”. Isso era meados da década de 1970, quando o produto passou alguns meses fora das prateleiras dos supermercados. Estava instalada uma crise. Não só minha, uma menina que não passava um dia sequer sem a amada dupla feijão preto com arroz. O país devia estar todo em sofrimento, por não ter no prato a mistura que, sem intenção, se transformou em nossa identidade gastronômica. Agora, mais uma vez, passamos pelo sufoco. O preço do feijão foi lá pra cima e sentimos vontade de voltar no tempo, em que os grãos representavam fartura no prato de escravos, responsáveis por esse nosso delicioso vício à mesa.

Mas não somos só nós os detentores desse produto sinônimo de sustância. Se nessas bandas mantemos, por séculos, nossa disposição com o mix feijão, farinha e carne seca, em antigas civilizações o “grão que dá caldo cremoso” também conta algumas histórias. Planta nativa da América do Sul e da América Central, já era cultivada há 7 mil anos por tribos indígenas do México e do Peru. Há registros de que nas tumbas dessas civilizações havia panelas de barro decoradas com desenhos de homens e mulheres segurando milho em uma mão e feijão na outra. Há também relatos de 2000 a.C que egípcios consideravam o feijão um símbolo da vida. Tradições orientais também têm seu jeitinho de venerar o feijão. O ligam à fertilidade e o arroz à fartura.

Donos de uma das mais admiradas e saudáveis culinárias do mundo, os japoneses também apreciam o grão, principalmente o da espécie azuki. Miúdo e marrom-avermelhado, o feijão azuki está entre os mais de cem tipos de feijões cultivados atualmente no mundo. É originário da Ásia, assim como o nosso feijão preto, que ganhou fama mundial a partir da criatividade das cozinheiras de senzala, que o misturou aos “restos” suínos. Uma história de peso e gordura, bem diferente do primo oriental. O azuki tem sabor levemente adocicado e é a base do yokan, doce muito comum no Japão. Além disso, é item certo na mesa dos macrobióticos, por seu efeito depurativo do organismo.

Agora, em plena crise do feijão, o azuki, que há pouco tempo custava o triplo do valor do mulatinho e do preto, está com preço equiparado. Tenho visto por aí o quilo do mulatinho por até R$ 8, enquanto o azuki fica por R$ 6. Talvez seja esta a hora de comermos feijão com sabor de outra cultura e desconstruirmos nossos costumes. O cozinheiro Rafael Chamie, do restaurante Capitão Lima, misturou culinárias em uma mesma panela. Desenvolveu o Tropeirinho azuki, uma receita que resgata a comida dos tropeiros de Minas Gerais, normalmente feito com feijão verde, mix de carnes e embutidos. Na receita que ele nos dá de presente, o azuki é a base, com lingüiça calabreza e curry. Pode ser servido por tudo, para não perdermos o costume. Um sucesso.

RECEITA

Tropeirinho Azuki
por Rafael Chamie
(Porção para seis pessoas) I

Ingredientes

- Para o feijão azuki
400 g de azuki
300 g de cebola picada
40 g de alho picado
2 folhas de louro Sal a gosto
1 colher de sopa de óleo
2 xícaras de água

Modo de Preparo

Numa panela de pressão, doure o alho no óleo quente. Acrescente ao refogado a cebola, o louro e o sal. Mexa e quando a cebola estiver dourada, coloque o azuki, previamente lavado em água corrente. Ponha água na panela e feche-a. Deixe no fogo por 15 minutos após pegar pressão. Desligue o fogo e tire a pressão por completo. O feijao não pode cozinhar demais, para não se desfazer.

- Para o Tropeiro

Ingredientes
600 g de calabresa cortada em mini cubos 4
00 g de cebola picada
7 colheres de chá de curry
6 colheres de chá de açafrão da terra (curcuma)
18 colheres de azeite 18 colheres de farofa de mandioca (feita previamente com manteiga, salsa e sal).

Modo de preparo

Refogue a calabresa no azeite quente até que fique crocante. Acrescente cebola e deixe-a dourar. Depois adicione o curry, o açafrão e em seguida o feijão azuki com pouquíssimo caldo. Mexa bem até começar a ferver. Finalize com farofa. Misture e sirva.

SERVIÇO
Bar e Restaurante Capitão Lima.// Rua do Lima, 102, Santo Amaro. F: 3222-5244